"Eu sou a besta que
você visualizou?”
Mas, como temos
visto com os visionários, de Sócrates a Galileo, William Tyndale a Charles
Darwin, você não pode desafiar tais crenças profundas sem consequências. Em
1993, num momento em que Jackson estava desafiando nossas ideias sobre raça,
gênero e sexualidade mais severamente – quando ele estava aparecendo
desconfortavelmente diferente e desconhecido para nós e, portanto, era
extremamente vulnerável a erros de interpretação –, neste momento crítico, o
impensável aconteceu: um homem o acusou Jackson de abusar sexualmente do filho
dele.
As provas contra Jackson eram problemáticas, na melhor das
hipóteses. A busca intensa do pai por uma grande recompensa em dinheiro alarmou
a mãe do menino e o padrasto, que se tornaram convencidos de que o pai estava
planejando uma tentativa de extorsão, que o padrasto gravou uma das conversas
telefônicas deles. Nessa conversa, o pai admite que pagou pessoas para realizar
um "plano que não é só meu", dizendo: "Há outras pessoas
envolvidas que estão esperando o meu telefonema, que estarão
intencionalmente, em certas posições. Eu
as paguei para fazer isso.” Ele também diz: "Eu fui orientado sobre o que
dizer”, e se vangloria: “Se eu continuar com isso, eu ganho grande momento”.
Oito dias depois
dessa conversa, o pai, que era dentista, levou o filho para o consultório
odontológico dele, onde se juntaram a um anestesista que havia sido convidado a
deixar a posição anterior dele, por causa de violações da ética, e, agora, ganhava
a vida fazendo biscates. O pai tirou um dos dentes de leite do filho e, em
seguida, de forma agressiva questionou o rapaz sobre o relacionamento dele com
Jackson. O pai, mais tarde, escreveu uma cronologia baseada na memória dele dos
eventos, e a versão dele do dia no consultório odontológico revela um quadro
muito preocupante.
Primeiro, o pai
começa a conversa por mentir para o filho, dizendo-lhe que: "Eu tinha
grampeado o seu quarto", quando ele não tinha, e: "Eu sabia de
tudo", quando ele não sabia. Ele, então, fabrica uma história que inclui
atos sexuais explícitos e diz ao rapaz que ele sabe que ele e Jackson fizeram
essas coisas. O pai pede ao filho para repetir essa história de má conduta
sexual, volta-se para ele, dizendo-lhe que: "Eu sabia tudo de qualquer
maneira e eu só queria ouvir isso dele". Ele, então, ameaça destruir a
carreira de Jackson, se o menino não fizesse o que ele queria, dizendo que se
ele não contasse a ele o que ele espera ouvir "então, eu vou ldestruí-lo
(Jackson)".
Com base na
descrição do próprio pai do que aconteceu naquele dia, é claro que ele
questionou o filho dele de uma maneira muito manipuladora e coercitiva. No
entanto, não são apenas as palavras do pai que são coercitivas, a situação toda
é coercitiva. Por que ele escolheu questionar o menino no seu consultório,
imediatamente depois de retirar um dos dentes dele? Isso, para mim, é a parte
mais impressionante de toda a história. Eu acho que o pai gostaria de discutir
uma questão sensível como essa quando o filho estivesse se sentindo seguro e confortável
e livre para falar – não quando ele estava sentado em um consultório
odontológico, sangrando de um ferimento infligido a ele pelo pai. Não poderia
haver demonstração mais clara de poder paternal, ou a habilidade do pai de
realizar as ameaças de infligir dor. De fato, é difícil imaginar uma situação
mais assustadora para uma criança que esse interrogatório do filho pelo.
No entanto, é
possível que o pai tivesse uma razão para questionar o filho em um lugar e hora
tão improváveis: porque ele queria interrogá-lo enquanto ele estava sedado. Na
cronologia dele, o pai afirma, claramente, que ele esperou até que filhonão
estivesse mais sedado para levantar a questão: "Quando Jordie saiu da
sedação, pedi-lhe para me dizer sobre Michael e ele". No entanto, em um a
reportagem da KCBS-TV em 3 de maio de 1994, o pai conta a um repórter que o
filho dele fez as acusações contra Jackson enquanto sob sedação, embora ele não
respondesse à pergunta do repórter sobre o tipo de medicamento usado para sedar
o garoto. Se a resposta do pai para a KCBS-TV é verdade, é muito preocupante
que o menino tenha feito essas alegações, primeiro, sob a influência de alguma
droga desconhecida, especialmente tendo em conta a forma como o pai conduziu o
questionamento: com mentiras e ameaças, e a sugestão de determinados atos
sexuais.
Apesar das
evidências serem duvidosa, o gabinete do Procurador Distrital agressivamente
condiziu um processo contra Jackson – e a imprensa e a opinião pública seguiram
o exemplo dele. É uma pergunta válida para perguntar se a polícia (e a
imprensa, e o público) foi motivada, principalmente, pela evidência ou por má
interpretação da personalidade de Jackson por causa da arte dele, por causa da
transgressão dos limites tradicionais de gênero, raça e sexualidade. Como
Jackson sugere em Ghosts, talvez o verdadeiro crime para o qual ele foi acusado
fosse ser "freak", um
"esquisito", e um monte de pessoas parecem ter encontrado o culpado
dessa acusação.
“Eu sou assustador para você,
baby?"
De muitas maneiras, Ghosts é o trabalho mais importante
de Michael Jackson. Ele não só fornece insights
interessantes na análise de Jackson do caso de abuso infantil, mas também
fornece uma chave para a interpretação de outro trabalho dele. Ele articula a visão artística de Jackson e da filosofia que a arte deve
ser divertida, mas poderosa, mesmo "assustadora" – em outras
palavras, que a arte deve encorajar-nos a questionar a nós mesmos, os nossos preconceitos
e as nossas concepções, de forma que as podemos sentir "assustadoras"
ou ameaçadoras ou desconfortáveis, mas que,
finalmente, leva a novos insights.
Tudo isso indica que a música “Is It Scary”"
de Ghosts deve ter algo muito
importante a dizer: o título chega ao coração da visão estética de Jackson. No
entanto, as letras são desconcertantes. Aqui está um
trecho:
Eu serei
Exatamente o que você quer ver.
É você quem está me assombrando
Porque você está me querendo
Para ser o estranho no meio da noite.
O que significa isso? Esaa música foi
escrita numa época em que a opinião pública estava começando a mudar e
solidificar de uma nova maneira: as pessoas estavam começando a ver Jackson
como um abusador de criança um "Estranho na noite". Ele parece estar
se referindo a percepção do público em torno do escândalo. Mas e quando aos versos "Eu vou ser / Exatamente
o que você quer ver?". O que significa isso?
Nas estrofes seguintes, Jackson repete essa ideia –
que vai refletir as ideias que estamos projetando para ele – e torna mais
explícito:
Estou divertindo você
Ou apenas confundindo você?
Eu sou a besta que você visualizou?
E se você quer ver
Esquisitices excêntricas
Eu vou ser grotesco diante de seus olhos.
Deixe-os todos se materializarem.
O que ele quer dizer com isso – por "esquisitices excêntricas" e "Eu vou ser grotesco diante de seus olhos"? E o que ele quer dizer com estas linhas de algumas estrofes mais tarde?
Então me diga,
É que o realismo para você, baby?
Sou assustador para você?
O que significa isso? O que exatamente ele está dizendo?
Ee eu estou interpretando isso corretamente, eu acho que significa que
precisamos voltar atrás e reavaliar tudo o que pensamos que sabemos sobre a
vida de Michael Jackson depois de 1993.