Michael Jackson: o Mensageiro Ferido
Escrito por Matt Semino, crítico
de cultura pop de New York
Publicado no dia 29 de novembro de 2010
Traduzido por Daniela FerreiraPublicado no dia 29 de novembro de 2010
Mesmo com o lançamento altamente
antecipado do novo álbum "Michael", a controvérsia continua
envolvendo o legado da estrela. As batalhas legais do espólio de Jackson e o
julgamento próximo do Dr. Conrad Murray vão cativar ainda mais a atenção da
mídia e gerar debates divergentes sobre de quem é a culpa. Além lucrando e
apontando o dedo, onde a consciência coletiva do público está agora na era
pós-Michael Jackson? Os desafios sociais persistem e difíceis questões globais
permanecem sem resposta, assim como estavam nos meses após a perda de Jackson.
É a esperança que durante este tempo, a catarse e de autorreflexão irão
trabalhar de mãos dadas.
Com a máscara finalmente removida,
o adeus choroso dela o humanizou aos olhos de milhões de fãs adoradores e até
céticos detratores em todo o mundo. Paris Jackson foi a conclusão pungente no
memorial do pai dela, Michael. Ao mesmo tempo, as palavras dela serviram como
um lembrete doloroso do legado conflituoso que, como alardeiam alguns, o maior
artista de todos os tempos deixa para trás na esteira de sua morte repentina,
trágica e misteriosa. Na passagem de Michael Jackson, este ícone internacional
lança tantas quanto, se não mais, perguntas não respondidas sobre o que de vida comum ele levou por trás
da cortina do palco particular dele.
As especulações intensas sobre a
causa real da morte da estrela variaram de uma overdose acidental a explosivas
alegações de alguns membros da família de conspiração e até mesmo assassinato.
Nos últimos estágios da vida dele, Jackson foi preso em uma espiral descendente
do abuso de medicamentos, de prescrição promovida por meio de um emaranhado de
facilitadores bajuladores e membros sem escrúpulos de estabelecimentos médicos.
Como em vida, Michael Jackson estava envolto por complexos dilemas éticos e
legais, mesmo no momento exato da morte dele. Questões relativas à custódia dos
três filhos de Jackson, se essas crianças estão ligadas a ele biologicamente, o
controle e divisão da complexa herança dele, o procedimento de sepultamento e
um lugar de descanso final para os restos da estrela, o uso de financiamento
público de Los Angeles para um memorial a carco de celebridade no Staples
Center e inúmeras outras questões controversas rapidamente envoltas como uma
névoa sinistra e pesada nos dias e semanas após 25 de junho.
Após sua
morte, a caixa de Pandora que é a vida secreta, mas altamente examinada, de Michael
Jackson arrebentou mais uma vez e os meios de comunicação, bem como o apetite insaciável
do público para todos os detalhes suculentos imediatamente tornou-se palpável. As
manchetes diárias apresentam vívidos registros médicos. “Foto da Autópsia de
Michael Jackson","cabelo de Michael Jackson Pegando Fogo","Feridas
de Michael Jackson nas pernas e marcas de agulha"e "Michael Jackson era
estéril" são apenas alguns exemplos. Somente o escritor de ficção mais imaginativo
poderia criar uma história com um grande drama e reviravoltas sórdidas e mais
voltas. Mesmo com todo o valor de entretenimento tablóide disso, é um
desserviço monumental para a memória de Michael Jackson que uma análise cuidadosa
das significativas contribuições culturais dele, em particular no domínio dos
direitos humanos e justiça social, estejam sendo obscurecidas no processo de análise
da morte dele e agora do cadáver.
Através do
prolífico corpo de trabalho dele, iniciativas de defesa e esforços multimilionários
de caridade, Michael Jackson aumentou a conscientização e apoio internacional
para algumas das questões mais complexas e atemporais que confrontam a condição
humana. AIDS, câncer, fome, pobreza, violência de gangues, o racismo, o
totalitarismo, a degradação ambiental, abuso de crianças, violação dos direitos
dos animais, as restrições à liberdade de expressão e outras infracções sobre
as liberdades civis básicas, são apenas alguns dos assuntos difíceis
enfrentados por Jackson, aproveitando o poder da celebridade dele. A compreensão
intuitiva de Michael Jackson dos problemas que afligem o sistema ecológico
humano era estranho e incomum para qualquer artista perto da magnitude dele.
Muitos têm estado tão deslumbrados
com o carisma magistral de Jackson e com controvérsia existente em torno da
vida e da morte dele que seria fácil não reconhecer os grandes temas sociais e
políticos consagrados na música, vídeos e entrevistas públicas dele. A resposta
emocional intensa, mensagens e sentimentos primordiais que reverberam através
das letras e imagens um tanto quanto perturbadoras de vídeos de canções como
"They Don’t Care About Us", "Heal the World", "Earth
Song" e "Man in the Mirror" são arrasadoras. Uma análise mais
aprofundada do trabalho de Michael Jackson revela um indivíduo com uma
preocupação ardente para melhorar as vidas dos mais desfavorecidos e
perseguidos em todo o mundo. A paixão e o entusiasmo com que Jackson cava o
solo com as mãos se agarra às árvores no vídeo dele "Earth Song", uma
peça de ópera, onde ele aborda meio ambiente e bem-estar animal, é um reflexo
de um líder da humanidade que se preocupa profundamente com questões que ele
está desafiando.
Eventos
globais nas semanas que rodearam a morte de Jackson só diretamente espelham os
problemas complexos para os quais ele tentou sensibilizar internacionalmente. No
Irã, e diante dos olhos do mundo, manifestações civis foram esmagadas e vítimas
inocentes como a jovem Neda Agha-Soltan foram brutalmente assassinadas por instrumentos
de um estado totalitário. Em Washington, DC, um supremacista branco motivado
por puro ódio tentou uma matança no Museu Memorial do Holocausto dos EUA,
matando um guarda de segurança afro-americano em sua fúria. Na Coreia do Norte,
as jornalistas americanas Laura Ling e Euna Lee foram injustamente condenadas a
doze anos de trabalho duro para apenas servir como moeda de troca internacional
para um ditador do mal. Michael Jackson falou em voz alta contra essas formas
de racismo e repressão e tentou incendiar a nossa paixão para impedir a
continuação de tal negligência, abuso e discriminação. Como estamos agora
sentindo falta dessa mensagem quando ela é ainda mais crucial que ela possa ser
bsorvida pela mente do público? Não só os gritos de despertar de Michael
Jackson continuam a ser ignorados, mas a reputação dele continua a ser manchada.
Com a fixação em curso sobre os
horríveis detalhes que cercam o falecimento de Jackson, perdemos o foco na
relevância social de Michael Jackson em nosso cronograma cultural. O símbolo de
Jackson tem o poder de forçar o que poderia ser um período difícil e
desconfortável de autorreflexão do público. Que progressos foram feitos sobre
as questões globais humanitárias e dos direitos civis que Jackson trouxe à luz
para as massas? O que realisticamente ainda precisa ser realizado em cada um
destes reinos para fazer realmente o progresso futuro? Estas são as questões
cruciais que precisam ser contempladas no contexto da morte de Michael Jackson.
Muitos podem perguntar por que a esta
figura controversa, um homem que tem sido alvo de intensas críticas e reação do
público, deve ser dada tal gravidade como na elaboração do discurso público
sobre temas mais importantes do dia. Às vezes, é preciso uma pessoa, não apenas
um líder político ou espiritual, que se destaca simbolicamente a partir do
resto da sociedade, para fazer a sociedade refletir sobre os princípios que ela
segue e os valores que ela defende. Jackson, ao longo da vida dele e na morte
dele foi ridicularizado e reverenciado, difamado e alardeada. Em muitos
aspectos, a história dele representa os altos mais altos possíveis e os baixos
mais baixos possíveis que a vida pode apresentar a um ser humano.
O tremendo talento de Michael
Jackson, sucesso, riqueza e adoração pública estavam em desacordo com a solidão
extrema, medo, dependência e destruição de reputação pela opinião pública. No
final, porém, Michael Jackson foi muito mais do que um entertainer. As contribuições dele para o campo do entretenimento,
sem dúvida, profundo. No entanto, é o amplo impacto cultural dele que realmente
transcende as barreiras econômicas, sociais, políticas, raciais, religiosas e todas
mais. Jackson passou de ser simplesmente um artista mágico para se tornar um
humanitarista de importância histórica. Ele era um mensageiro moderno do dia,
um contador de histórias visionário que elevou o nível de consciência para os
cidadãos através das fronteiras nacionais.
Este nível de contribuição é o
que o contrato social exige daqueles que são abençoados com dons naturais,
poder e riqueza. Não deveríamos, então, abraçar e apoiar as pessoas que estão
destinadas a esta missão de vida, em vez de ridicularizá-los? Como a história
progride e o símbolo e a obra de Jackson são analisadas em conjunto com o
desenrolar dos acontecimentos humanos, a importante relevância cultural da
pessoa dele será descoberta. Como um pedaço de literatura grega clássica que
incorpora temas intemporais de luta e o sofrimento humanos, o cânon e
celebridade de Michael Jackson virão a ocupar um lugar semelhante no moderno
panteão cultural. Por que, então, era necessário matar o mensageiro?
O controverso
documentário de TV de 2003 de Martin Bashir TV, "Living With Michael Jackson",
é apenas um dos muitos exemplos das maneiras como Jackson foi injustamente retratado
na mídia. O documentário foi um pesadelo de relações públicas para a estrela. As
entrevistas no vídeo de Bashi e os comentários foram inteligentemente editados,
propositadamente, para pintar Jackson como um abusador de crianças megalomaníaco.
O filme focado, de uma forma altamente negativa, sobre o abuso que Jackson sofreu
quando criança nas mãos do pai dele, os rumores sobre a drástica transformação física,
as amizades intensas com rapazes, a natureza dos últimos relacionamentos
amorosos dele e questões sobre a linhagem genética dos filhos dele, entre outros
temas sensíveis.
Bashir convenientemente cortou
cenas que apresentava uma impressão positiva de Jackson. O documentário de
Bashir e a refutação posterior de Michael Jackson, na forma de um especial de
TV, apresentado por Maury Povich, fornecem uma visão sincera, nunca antes vista,
sobre o que tornou este homem fechado. Em muitos aspectos, Michael Jackson era
uma alma solitária, que encontrou maior conforto isolado atrás dos portões do
rancho Neverland e na companhia de
animais, crianças, brinquedos e posses opulentas. Nos últimos anos da vida dele,
Jackson se tornou recluso a tal ponto que ele era incapaz de funcionar até
mesmo no seio da sociedade celebridade devido à imensidão da fama dele e a
atenção parasitária que se desenhava até mesmo por uma breve aparição em público.
O exame dessas entrevistas torna claro que Michael Jackson é uma das figuras
mais incompreendidas na cultura moderna popular.
A reação incessante da mídia contra
Michael Jackson ao longo da carreira e agora na morte dele é impulsionada pelo
fato de que Jackson, como uma figura simbólica, nos obriga a olhar no espelho e
enfrentar os problemas difíceis e, às vezes, intratáveis da nossa sociedade, e
em nós mesmos, que podemos não querer reconhecer. Como ele se atreve? Jackson
cintila brilhantemente luz sobre as realizações e fracassos da civilização em
suas formas mais extremas. Para ser repelido pela drástica transformação do
rosto dele, era mesmo ao tempo preciso reconhecer o exagerado fascínio da
beleza de uma cultura obcecada que permite que dinheiro mude até mesmo os
componentes mais fundamentais do nosso DNA.
Quando olhando e comentando sobre
a máscara dele, não estávamos também secretamente reconhecendo ambas as
máscaras, literal e figurativa, que, às vezes, nos escondemos por trás?
Ironicamente, as mudanças físicas de Michael Jackson o levaram a ser rotulado
como uma "excentricidade" ou "aberração" por uma cultura de
mídia que promove a perfeição física através de qualquer meio necessário. Como
Jackson proclamava durante as entrevistas dele com Bashir "A cirurgia
plástica não foi inventado por Michael Jackson!"
As acusações de abuso sexual de
crianças interpostos contra Jackson, em 1993 e novamente em 2005, em razão das
quais ele foi espetado e assado pela mídia e público, eram infundadas
tentativas de extorsão, alimentadas pela ganância e inveja mesquinha dos
acusadores dele. Apesar de resolver o caso de 1993 e ser absolvido das
acusações de 2005, o apelo comercial de Michael Jackson e imagem pública foram
gravemente danificados pelas alegações. As acusações de abuso sexual infantil
contra Jackson representou uma caça às bruxas moderna na sua forma mais básica.
Infelizmente, para Jackson, a caçada não foi localizada em Salem, mas em nível
mundial, com a ajuda da tecnologia de mídia moderna.
As acusações
de abuso sexual foram alimentadas por sentimentos de inadequação nos pais das
crianças, alegadas vítimas, que estavam tão apaixonadas por Jackson. Talvez esses
pais não acreditassem que podiam competir com o amor e fantasia material que Michael
Jackson prestava aos filhos dele, e isso os levou a lançar-se em desespero. Ciúme
combinado com ganância é altamente combustível. A descrição de Michael Jackson,
fornecida pelos meios de comunicação, como um excêntrico obsecado por cirurgia
plástica, fez dele um alvo fácil e uma vítima antipática. Não era crível que alguém
que agia e se parecia com ele pudesse ser gentil, sensível, compassivo e
amoroso. Qual foi a motivação por trás disso tudo? O que estava errado com ele?
Tinha que haver algo torto. E se a motivação de Michael Jackson foi
simplesmentedar esperança aos menos afortunados? Tudo isso foi, então, apenas a
destruição insensata de um ser humano para satisfazer as nossas inseguranças e
sufocar os nossos medos do desconhecido e incompreendido.
Ao refletirmos sobre a vida de
Michael Jackson e agora a morte, é difícil não se sentir triste pelo homem e
não vê-lo em uma luz trágica. Com toda a riqueza, poder e fama dele, ele agora
está diante de nós como um pássaro esmagado, após ser alvejado várias vezes por
pedras enormes. Abatido, Jackson continuou a se voltar para dentro, com medo de
que o mundo com o qual ele se importava tão profundamente que mudasse para o
melhor, estava atirando contra ele. As drogas só serviram como um ópio para a
dor de um artista e humanitário que estava sobrecarregado de uma missão que ele
não acreditava que ele tinha realizado. Viciada, foi a ganância das pessoas em
torno de Michael Jackson, que continuaram as ceder aos desejos deles de autopreservação.
A dormência
dos analgésicos aliviava a dor causada por saber que, apesar do que ele procurou
dar e mudar à sociedade e a mudar na sociedade em torno dele, o fardo das criações
dele e a crítica mordaz que engendrou se tornaram demasiadamente grande para uma
pessoa suportar. Michael Jackson era um Sísifo moderno, um homem em carne viva,
condenado a, repetidamente, empurrar uma pedra grande morro acima só para vê-la
rolar para baixo. Infelizmente, porém, nosso Sísifo entrou em colapso sob o
peso de sua luta.
Michael Jackson
foi inflado para a posição de uma divindade pop,
uma figura mítica, apenas para ser crucificado e apedrejado pelos deuses da
mídia que criou o sucesso dele. As ousadas mentiras excêntricas dele saíram da
norma de comportamento padrão, socialmente aceitável, mas eram necessariamente ilegal
ou errado? Não. A maioria das ações de Michael Jackson foi pouco convencional,
no entanto, ao mesmo tempo, não a grandeza da fama e status global dele, não
foi além de qualquer coisa que a cultura moderna já presenciou? A grandeza, a excentricidade
dele, influenciou uma a outra.
É inegável que a imensa
celebridade de Michael Jackson e riqueza lhe permitiram afastar-se da sociedade
em geral e observar o mundo de um ponto de observação privilegiado. Às vezes,
porém, é preciso essa posição de sorte, mas isolada, para ser capaz de fazer observações
sociais menos poluídas e, finalmente, produzir o comentário mais efetivo da
sociedade através da arte. Ao longo da história, o trabalho e a vida de vários
artistas foram ridicularizados e desprezados pelo público durante o apogeu
deles, apenas para serem colocados postumamente no cânone dos grandes. Sem
dúvida que Michael Jackson vai, no devido tempo, angariar esse mesmo nível de
aclamação da crítica como artista e, mais importante, como um humanitário.