A Triologia: Não, eu quero dizer que sou diferente
Postado por Willa e Joie dia 24 de maio de 2012
Traduzido por Daniela Ferreira
Joie: Então, Willa,
na semana passada começamos uma discussão sobre algo que
você chama A Trilogia, e que tem a ver com a maneira
como você se relaciona com três obras
de Michael Jackson – "Ben", Thriller, e Ghosts – e
como você acha que todas elas se encaixam juntoa em algum
jeito e em algum tipo de forma de estética de Michael Jackson.
Na semana
passada, nós nos concentramos na música "Ben" e que
mensagem poderosa de aceitação essa
música carrega. Esta semana, eu estava esperando que
pudéssemos dar uma olhada no curta metragem Thriller e
falar sobre como ele se encaixa nessa ideia de A
Trilogia para você.
Willa: Bem,
como já falamos antes, vejo desafiando as
diferenças que nos dividem como foco principal da
arte e da vida de Michael Jackson. Ele foi
impulsionado por uma visão de todos nós unidos como um só
povo, apesar das divisões de raça, sexo, nacionalidade, sexualidade,
idade, religião, deficiência, ou quaisquer outras diferenças
usadas para segregar as pessoas em campos separados.
Vemos
isso música após música, vídeo após vídeo, bem como em
entrevistas e discursos e as instituições de caridade que
ele apoiava. No entanto, para mim, há três obras em
particular, que brilham como faróis e realmente desafiam
os limites artificiais que nos separam, e as três
são "Ben", Thriller, e Ghosts.
Joie: Isso
é realmente interessante, Willa, porque, como eu disse na semana
passada, eu nunca olhei para o curta-metragem Thriller,
como abordando "as fronteiras artificiais", como você
colocou ou as diferenças entre todos nós. Estou
realmente interessada em saber como você vê isso.
Willa: Bem,
é sutilmente manipulado – na verdade, é quase como se
ele estivesse transmitindo a mensagem dele de uma
forma préconsciente – mas todas as três destas
obras culatram as fronteiras entre nós em maneiras novas
e convincentes e eu especialmente vejo isso em Thriller.
Como todos
sabemos, tanto Thriller quanto Ghosts são do
gênero filme de terror. Mas,
curiosamente, quando Alex Colletti perguntou
a Michael Jackson, "Você era um fã de filmes de
terror?" Em uma entrevista à MTV, em 1999, ele respondeu:
Acredite
ou não, eu tenho medo de assistir filmes de
terror. Honestamente, eu não gosto muito de vê-los. Eu
nunca pensei que estaria envolvido em fazer esse tipo de coisa.
E evocar horror não
parece ser o objetivo dele nestes
dois curtas-metragens. Parece haver algo mais acontecendo.
Se olharmos
atentamente para Thriller, descobrimos que ele é
um tipo muito específico de filme de terror. Não se trata
de aranhas ou cobras mutantes, ou
um macaco enorme escalando o edifício Empire State, ou dinossauros trazidos
de volta à vida através do DNA. Não se trata
de um tornado especialmente letal ou maremoto ou um
asteróide prestes a colidir com a Terra.
Não se trata de
alienígenas extraterrestres tentando dominar o mundo ou uma infecção misteriosa
varrendo a população. Não se trata de um maníaco homicida com uma serra
elétrica ou um fuzil ou um gosto insaciável pelos companheiros humanos dele.
Não se trata de uma previsão antiga de que o mundo vai acabar em duas semanas,
ou o início da III Guerra Mundial ou holocausto nuclear, ou colapso ambiental.
Não é nem mesmo um filme de monstro da mesma forma como Godzilla ou Criatura da
Lagoa Negra.
Joie: Bem,
você faz um ponto muito bom aqui, mas agora eu tenho medo
que você me tenha querendo me enrolar no sofá
com alguns DVDs e uma grande tigela de pipoca!
Willa: Isso
é engraçado! Devemos ter uma noite de cinema em algum momento, embora eu esteja
avisando – eu sou uma covarde quando se trata de filmes de terror. Mas se
olharmos atentamente para Thriller, descobrimos que é um tipo muito
específico de filme de terror: é a história de um belo adolescente que
atravessa fronteiras. Primeiro, ele atravessa a fronteira entre o lobo e o
homem, mas ele não cruzar essa fronteira completamente.
Ele não se torna
um lobo. Em vez disso, ele pára no meio do caminho e vem habitar este espaço
intermediário, onde ele é tanto o lobo quanto o homem. Ele se torna um
homem-lobo, um lobisomem. Mais tarde, ele confunde os limites entre os vivos e
os mortos, e novamente vem a habitar esse estranho espaço no meio onde ele é
tanto vivo quanto morto. Ele se torna um dos mortos-vivos, um zumbi.
Joie: Ok. Acho
que vejo onde você está indo com isso. Basicamente, o
que você está dizendo é que você sente que o personagem de
Michael Jackson em Thriller está, de certa forma,
simbilizando o abraçar as diferenças entre nós,
o que falamos na semana passada, quando falavamos
sobre a música "Ben". No vídeo Thriller, o
personagem dele está habitando essas diferenças
e propositalmente cruza essas fronteiras.
Willa: Exatamente. É
exatamente onde eu estava indo, e você está
certa – ela se liga muito bem com "Ben" e
expande as ideias que ele estava cantando nessa música. Mas
eu acho que há muito mais acontecendo também.
Julia Kristeva é
uma teórica literária que é também um psicanalista, e ela
acredita que os seres humanos sentem uma ameaça psicológica
profunda, quando certos tipos de limites ficam indefinidos
ou são contestados ou transgredidos de alguma forma.
Como ela
descreve em Poderes do Horror: Um Ensaio Sobre Abjeções, criamos nossa
identidade e definimos quem somos através da criação de fronteiras entre o que
somos nós e o que não somos nós, então qualquer coisa que ameace ou quebre
essas fronteiras também nos ameaça com dissolução – isso ameaça a nossa
identidade no nível psicológico mais fundamental.
Por exemplo, ela
diz que é por isso que sentimos desprezo por humanos arruinados,
porque ele cruzou a fronteira entre o interior do corpo e
fora do corpo, entre nós e não-nós, e obrigou-nos
a perceber que os limites mínimos são mais
permeáveis do que gostaríamos que fossem, e que nos
ameaça a um nível profundo, primal.
Joie: Agora
que é realmente interessante! Eu nunca tinha ouvido falar
dela antes, mas, eu gostaria de ler esse
livro. Parece fascinante.
Willa: Oh, é fascinante, e isso realmente me
levou a ver esta questão de cruzar as fronteiras de uma
forma muito diferente – e não apenas como uma questão
social / política, mas como uma questão psicológica
poderosa. Ela também fala sobre cadáveres, e por que
eles são tão terríveis para nós:
Se o estrume representa
o outro lado da fronteira, o lugar onde eu não sou e
que me permite ser, o cadáver, o mais revoltante de
resíduos, é uma fronteira que tem invadido tudo. E
já não sou em quem expulsa, “eu” sou expulsa. A
fronteira tornou-se um objeto. Como posso ser sem margem?
Assim, Kristeva vê a
nossa repulsa por cadáveres como o exemplo mais extremo do
medo primordial que ameaça submergir-nos quando as
fronteiras entre nós e não-nós falham. Como ela diz, "Como
posso ser sem margem?"
Ele ameaça
nossa própria existência, psicologicamente. Isso ameça quem nós
somos, o “eu” que eu estabeleci como eu mesma. E eu acho que isso
explica por que os cadáveres figuram tão destacadamente em
dois dos mais importantes trabalhos de Michael Jackson, apesar de que
ele não gostava de filmes de terror.
Aldebaran deu
um exemplo fascinante desse medo profundo de transgredir os
limites em um comentário, um par de semanas atrás,
quando ela falou sobre um artigo no The Guardian.
Como Aldebaran descreveu,
o artigo é sobre uma família birracial que
teve gêmeos – um gêmeo nasceu preto e outro
branco. Curiosamente, foi o gêmeo branco quem
ficou intimidado na escola, tanto que os pais dele o
levaram para fora. É um artigo muito interessante
sobre as barreiras raciais no local.
A criança intimidada, o
gêmeo branco, eles pensaram que ele era realmente negro, mas
parecia branco – assim como MJ e o
bailarino Arthur Wright. Na escola os
professores queriam que o gêmeo branco se retratasse como negro –
era irreal.
http://themaninthemusic.blogspot.com.br/2012/05/gemeosbranco-e-preto-james-e-daniel.html
http://themaninthemusic.blogspot.com.br/2012/05/gemeosbranco-e-preto-james-e-daniel.html
Se olharmos
para esta situação através da lente de ideias de Kristeva,
as ações dos valentões da escola fazem sentido. Eles
não intimidaram o gêmeo "negro", porque ele
parecia negro, ele ficou dentro da categoria apropriada e,
portanto, não ameaçou a identidade deles. Ele era um negro
"seguro".
Mas o outro
gêmeo tinha os mesmos pais e o mesmo
fundo genético e, portanto, era
considerado "negro" pelas outras crianças e até
mesmo os professores, mas ele parecia branco.
Aparentemente,
apagar este limite entre preto e branco representava uma
ameaça psicológica profunda para aquelas crianças da escola,
porque parecia que ele era um deles, mas eles sentiam que
ele não era um deles. Eles reagiram a essa ameaça,
reforçando a fronteira entre eles e ele – em outras a
palavras, eles o intimidaram para deixar bem claro para ele
(e eles mesmos) que ele não era como eles.
E,
claro, como Aldebaran aponta, esta é "assim
como MJ". Ele desafiou as fronteiras raciais,
mesmo antes de desenvolver vitiligo, e
ele turva muitas outras fronteiras também. E
isso provocou uma reação violenta, assim como a reação
contra o gêmeo branco-preto.
Joie: Bem,
isso é muito verdadeiro, que ele fez. E acho que nós
poderiamos fazer o argumento de que as teorias de
Kristeva poderiam ser aplicadas ao racismo em todas as suas
formas – este "nós contra eles" ou processo de
pensamento que sempre nos deixa em apuros.
Willa: Isso
é
verdade, para antisemitismo, ou misoginia, ou homofobia
ou a xenofobia, ou qualquer um dos preconceitos que nos
dividem. E como é que nós, como uma cultura, sairemos
dessa? Não há razão lógica para que esses limites fossem
elaborados da maneira que eles foram – não há nada real
ou verdadeiro ou natural sobre esses limites – mas
isso não significa que eles não existam, e que não pegam um
monte de poder psicológico.
Eu acho que esse é
o probelma que Thriller está enfrentando. Podíamos passar meses
explorando esta forma mais completa, mas acho que Thriller funciona em
um nível psicológico profundo por afrontar diretamente o medo e o horror que
sente em relação a qualquer coisa – ou alguém –que transgride as fronteiras que
usamos para definir a nós mesmos.
Por exemplo,
no tempo que Thriller foi feito,
Michael Jackson estava se tornando reconhecido como um
símbolo sexual da mesma magnitude como Elvis ou os
Beatles ou Frank Sinatra. Foi inédito para um
homem negro estar nessa posição, em parte porque os Estados
Unidos é um país profundamente racista
com proibições fortes contra
a atração sexual entre homens negros e mulheres brancas.
Um elemento desse
o racismo é uma narrativa cultural de séculos antigos de que os homens negros
são supersexuais, que eles não podem controlar os instintos animais deles, que
eles são, na verdade, em estupradores. Estatisticamente, uma mulher branca tem
muito mais probabilidade de ser estuprada pelo namorado (branco) do que por um
estranho (negro) na rua, e essa a mensagem está sendo veiculada de forma mais
precisa agora.
Mas no início
de 1980, quando Thriller foi lançado,e ainda
era muito comum que jovens mulheres brancas fossem avisadas
para não andar sozinhas, especialmente em lugares desconhecidos,
porque poderiam ser atacados por um assaltante (negro).
Então, o que
significa ser um símbolo sexual masculino negro em um
país que considera homens negros como incapazes de controlar seus
impulsos sexuais? Essa é uma
situação extremamente complicada de se estar, e isso
é uma das questões
que Michael Jackson enfrenta em Thriller.
O filme começa
com um adolescente e uma adolescente tendo um encontro. É
importante ressaltar que o nome do menino é Michael, então
há uma identificação entre o personagem na tela e o
prórpiro Michael Jackson e isso é significativo. Não
funcionaria da mesma maneira, se seu nome fosse William ou Gregory.
Este casal de
adolescentes está em um carro e eles ficam sem gasolina – uma
manobra conhecida para "estacionar" ou fazer, por
isso, estamos em uma situação sexual – e de repente somos
confrontados com os nossos piores receios.
Este muito reprimido jovem
negro perde o controle de si mesmo, ele não consegue controlar o
instinto animal dele, ele se torna irreconhecível e ele
ataca a namorada. É como uma cena de estupro: ela deitada
de costas com medo, ele paira sobre ela, e ele ataca.
Nós não vemos
isso, mas ouvimos e vemos as reações da platéia assistindo
a essa cena, incluindo um namorado e uma namorada,
que estão agora, posicionados no cinema com o
público. Ela não pode suportar e vai embora e ele a
segue e diz a ela: "É apenas um filme."
Joie: Wow, Willa. Você
sabe, eu nunca tinha olhado para essa cena como espelhando um
cenário de estupro, antes, mas você está absolutamente certa, isso
funciona dessa maneira, não é? Agora eu me sinto idiota por
nunca ter sacado antes!
Willa: Bem,
está muito sutilmente manuseado e podemos interpretar esta seção introdutória de
Thriller de muitas formas, mas é uma maneira é vê-lo como um desafio direto à
narrativa cultural racista de que os homens negros não podem controlar o
apetite sexual deles. E faz isso através de um brilhantemente processo de duas
fases. Primeiro, ele exagera esse mito, inflando-o até o máximoe e enche nossas
mentes, por isso nós, como uma nação, somos forçados a ficar cara a cara com os
nossos piores receios.
E então ele
explode o mito e mostra-nos que é apenas uma
ilusão. Nossos medos são apenas um mito, uma falsa
narrativa cultural – ou, como Michael nos diz: "É
só um filme."
Mas eu quero
enfatizar que esta é apenas uma maneira de interpretar Thriller, e
para ser honesto, eu não gosto particularmente desta
interpretação. É muito específico eparece demasiadamente
restritiva para mim. Esses elementos estão,
definitivamente, lá dentro, então eu acho que essa é uma
interpretação válida, mas para mim, Thriller é muito mais
do que isso. É endereçamento às diferenças de
modo mais geral, e está funcionando em um nível psicológico profundo,
quase pré-consciente.
E o que ele
está dizendo –surpreendentemente – é que cruzar as
fronteiras não é assustador. É divertido! Isso para mim
é a mensagem de Thriller, e que mensagem incrível! Ele está
tomando todos esses medos e lançando-os de cabeça
para baixo e de dentro para fora.
Thriller é um trabalho incrível
de arte. Tudo sobre ele – a forma como
a narrativa é estruturada, a forma como os dois personagens
centrais reaparecem de novo e de novo, do jeito que é
retratado e conec tado á lenda do lobisomen e do zumbi, do
jeito que incorpora canções e danças na
narrativa – cada detalhe é impressionante
e perfeito. É realmente um brilhante trabalho
de arte, mas também é uma obra de arte que
trouxe profundas mudanças culturais, e nós estamos apenas começando
a olhar para isso de uma forma aprofundada. E eu acho
que estamos longe de entendê-lo.
Joie: Eu
acho que você está certo sobre isso, estamos muito longe de
compreender mais do que Michael estava tentando nos
ensinar através da arte dele. Você sabe, de acordo com
o Merriam-Webster, uma das definições da palavra
profeta é: alguém dotado de mais discernimento
espiritual e moral comum, especialmente, um poeta inspirado. Eu
acho que essa definição poderia facilmente descrever Michael
Willa: Oh, eu
amo isso! "Um poeta inspirado" – que
descrição ótima!
Joie: É bom, não é? E como eu disse antes, eu realmente acredito que cada curta-metragem tinha uma mensagem ou uma lição escondida em algum lugar e era geralmente uma lição sobre como nós devemos tratar uns aos outros com amor e respeito. Eu acredito que era a missão e o propósito dele aqui na Terra e ele completou essa missão da melhor forma que pôde. O resto está vindo a nós agora.